terça-feira, 4 de maio de 2010

A LINGUAGEM DA MÚSICA

A música faz contraponto com o silêncio. Ela coloca cores sonoras no vazio descolorido e sem vida. Música é ritmo, melodia, som, vibração, emoção,ela tem o poder de nos envolver e de nos elevar a esferas inimagináveis.
A linguagem da música transcende as palavras, é como se a nossa voz interior se condessasse com os instrumentos e com as notas que expressam determinado estado de espírito.
Temos música dentro de nós. O nosso corpo é musical, pede ressonância, percussão. Podemos extrair e expressar a música que vive em nós em estado letárgico com a boca, as mãos, os pés e descobrir os sons mais primitivos que existem desde o início do mundo, sons que plasmaram o universo.

A música primitiva, utilizada para louvar os deuses e para pedir proteção para a plantação e para a caça, não nascia de uma criação consciente e ordenada, mas de uma necessidade de expressão emocional, que fluía e possuía a sua beleza, apesar de não ser elaborada.

MÚSICA MEDIEVAL
Durante muito tempo a música foi cultivada por transmissão oral, até que se inventou um sistema de escrita. Por volta do século IX apareceu, pela primeira vez, a pauta musical. O monge italiano Guido d’Arezzo (995 – 1050) sugeriu o uso de uma pauta de quatro linhas. O sistema é usado até hoje no canto gregoriano. A utilização do sistema silábico de dar nome às notas deve-se também ao monge Guido d’Arezzo e encontra-se num hino ao padroeiro dos músicos, São João Batista: Ut queant laxit / Ressonare fibris / Mira gestorum / Famuli tuorum / Solvi polluti / Labii reatum / Sancte Ioannes. Com o passar do tempo o Ut foi substituído pelo Dó. O tipo de música mais antigo que conhecemos consiste em uma única linha melódica cantada, sem qualquer acompanhamento. Este estilo é o chamado Cantochão ou Canto Gregoriano. Com o passar do tempo acrescentou-se outras vozes ao cantochão, criando-se as primeiras composições em estilo coral. Além do Cantochão, cantado nas igrejas, produziam-se na Idade Média muitas danças e canções. Durante os séculos XII e XIII houve intensa produção de obras em forma de canção, compostas pelos Trovadores, poetas e músicos do sul da França. As danças eram muito populares em festas e feiras e podiam ser tocadas tanto por dois instrumentos, como por um grupo mais numeroso. Os instrumentos que acompanhavam estas danças incluíam: a viela (antepassado da família do violino), o alaúde, flautas doces de vários tamanhos, gaitas de foles, o trompete recto medieval, instrumentos de percussão (triângulos, sinos, tambores, etc.). Principais Compositores Medievais: Perotin (séc. XII), Leonin (séc. XII), Guido d’Arezzo (995 – 1050), Philippe de Vitry (1290 – 1361), Guillaume de Machaut (1300 – 1377), John Dunstable (1385 – 1453).

MÚSICA CLÁSSICA

Música clássica ou música erudita é o nome dado à principal variedade de música produzida ou enraizada nas tradições da música secular e litúrgica ocidental, que abrange um período amplo que vai aproximadamente do século IX até o presente,[1] e segue cânones preestabelecidos no decorrer da história da música. As normas centrais desta tradição foram codificadas entre 1550 e 1900, intervalo de tempo conhecido como o período da prática comum.

Segundo o Dicionário Grove de Música, música erudita é música que é fruto da erudição e não das práticas folclóricas e populares. O termo é aplicado a toda uma variedade de músicas de diferentes culturas, e que é usado para indicar qualquer música que não pertença às tradições folclóricas ou populares.[2]

A música europeia distingue-se de outras formas de música, não-europeias ou populares, principalmente, por seu sistema de notação em partituras, em uso desde o século XVI.[3] O sistema ocidental de partituras é utilizado pelos compositores para prescrever, a quem executa a obra, a altura, a velocidade, a métrica, o ritmo e a exata maneira de se executar uma peça musical. Isto deixa menos espaço para práticas como a improvisação e a ornamentação ad libitum, que são ouvidas frequentemente em músicas não europeias (ver música clássica da Índia e música tradicional japonesa) e populares.[4][5] O gosto do público pela apreciação da música formal deste gênero vem entrando em declínio desde o fim do século XX, marcadamente nos países anglófonos.[6] Este período viu a música clássica ficar para trás do imenso sucesso comercial da música popular, embora o número de CDs vendidos não seja o único indicador da popularidade do gênero.[7] Oposto aos termos música popular, música folclórica ou música oriental, o termo "música clássica" abrange uma série de estilos musicais, desde intricadas técnicas composicionais (como a fuga)[8] até simples entretenimento (operetas).[9][10] O termo só apareceu originalmente no início do século XIX, numa tentativa de se "canonizar" o período que vai de Bach até Beethoven como uma era de ouro.[11] Na língua inglesa, a primeira referência ao termo foi registrada pelo Oxford English Dictionary, em cerca de 1836.[12][1] Hoje em dia, o termo "clássico" aplica-se aos dois usos: "música clássica" no sentido que alude à música escrita "modelar," "exemplar," ou seja, "de mais alta qualidade", e, stricto sensu, para se referir à música do classicismo, que abrange o final do século XVIII e parte do século XIX.[13]

Produção de texto:

1-Escreva um poema com base em uma música clássica ou um jazz.

2-Escreva umna narrativa em que o narrador-personagem conta como a música provocou uma mudança radical em sua vida.

terça-feira, 13 de abril de 2010

A LINGUAGEM DO CINEMA

André Setaro
De Salvador (BA)


A maioria das pessoas que vai ao cinema recebe uma avalanche de imagens e não se encontra apta a identificá-la enquanto uma linguagem. O que interessa, apenas, é a história, a intriga, o desdobramento das situações - aquilo que se chama de "fábula". Assim, o espectador comum não percebe que o filme tem uma narrativa e é esta que, por assim dizer, "puxa" a fábula - isto é: a história. Por narrativa se entende a maneira pela qual o realizador cinematográfico manipula os elementos da linguagem fílmica. Ou seja: o conjunto das modalidades de língua e de estilo que caracterizam o discurso cinematográfico.

O que precisa ficar bem entendido é o seguinte: o que merece crédito na obra cinematográfica não é o que se "diz" no filme, mas, sim, "como"o filme diz. E este se expressa por meio de sua linguagem específica, assim como na literatura o escritor se expressa por um conjunto de palavras que formam frases, orações e períodos. A expressão daquele que escreve se dá através da sintaxe. E o cinema também tem uma sintaxe que se cristaliza pelo relacionamento dos planos, das cenas, das seqüências. Assim, os elementos básicos da linguagem cinematográfica, os chamados elementos determinantes, podem ser assim considerados: a planificação (os diversos tipos de planos - geral, de conjunto, americano, médio, "close up"...), os movimentos de câmera ("travelling", panorâmica, na mão...) e a angulação ("plongée", "contre-plongée"...). E a montagem, existindo também os elementos componentes, mas não determinantes (fotografia, intérpretes, cenografia...).

É necessário, para uma melhor compreensão de um filme, aprender a reconhecer a linguagem do cinema e a captar qualquer mínima manifestação sua. Importa mais estar atento ao comportamento que a câmera adota em relação a determinado personagem do que seguir o seu comportamento na tela. É mais importante a verificação dos sinais efetuados pela câmera referente ao personagem do que tentar entender o que este está a fazer no desenvolvimento da história. A câmera dificilmente renuncia a uma opinião sua, mesmo quando parece estar silenciosa e perfeitamente alheada. Os modos que dispõe para "qualificar" a realidade são múltiplos e nem sempre imediatamente compreensíveis. Para se ter uma obra recente como ilustração: em "Inimigos públicos", de Michael Mann, o que importante mais é a "mise-en-scène", a "maneira" pela qual este realizador conta a sua história, o modo de apresentá-la por meio da sintaxe cinematográfica.

Outro exemplo está em Frenesi (Frenzy, 1972), penúltimo filme de Alfred Hitchcock, um cineasta inventor de fórmulas, um artista da 'mise-en-scène', cujos significados muitas vezes emergem do comportamento da câmera e, por extensão, do uso que faz da linguagem cinematográfica. Assim, em Frenzy, o movimento aparentemente vagabundo da câmera tem a função de indicar a atitude moral assumida pelo autor - no caso o mestre Hitch - relativamente à matéria tratada. Numa cena dessa obra exponencial, uma mulher (Anna Massey, a namorada do falso culpado Jon Finch) é assassinada em seu apartamento pelo hóspede (Barry Foster, o estrangulador que o espectador já conhece) ocasional que ela própria convidara confiando na sua extrema simpatia.

A câmera acompanha os dois quando se dirigem ao prédio onde ela mora - o público já pressente o pior, pois ciente de que o homem é um assassino perigoso, mas, entrando neste, a máquina de filmar abandona os dois "à sua própria sorte", pois começa a recuar lentamente, sai do edifício e se detém apenas quando o exterior deste fica enquadrado num plano geral. Todo o movimento se procede através de um movimento de câmera chamado "travelling", a princípio "para frente" e, quando do recuo, "para trás". O grito da pobre moça é abafado pelos ruídos do bairro popular onde se localiza uma feira muito barulhenta. Que outra coisa pretende dizer Hitchcock com este "travelling em derrière" se não que o Mal está entre nós e que opera das maneiras mais insuspeitas? Trata-se, na verdade, de um caso em que a "metafísica" do autor recorre, para se manifestar, à "física" de uma óbvia escolha estilística.

Hitchcock procura também, com seu humor negro, "brincar" com o espectador, que sabe ser um sado-masoquista e adoraria, no caso, presenciar o estrangulamento da mulher pelo perverso homicida. A significação, por conseguinte, se faz pela linguagem, pelo "comportamento" da câmera em relação ao personagem. Se neste exemplo, a significação decorre de um movimento de câmera, em outro, desse mesmo filme, ela advém pela montagem na seqüência na qual o estrangulador procura, dentre muitos sacos cheios de batatas, aquele no qual se encontra o cadáver da mulher que matara no apartamento a fim de lhe tirar um broche de suas mãos, as quais, no momento da agonia, agarram o objeto. A manipulação de Hitch é tal que o espectador "torce" para que o brutal homicida encontre, tal a sua aflição - e a aflição provocada pela montagem, pela 'mise-en-scène', o broche que o denunciaria como criminoso.

Em O Açougueiro (Le Boucher, 1969), de Claude Chabrol - um discípulo de Hitchcock e autor, com Eric Rohmer, de um livro importante sobre o diretor de Vertigo -,há uma cena na qual o protagonista - um carniceiro que se sabe torturado pela mania homicida - confessa o seu afeto à ignara professora da aldeia - ele é Jean Yanne, ela, Stéphane Audran, naquela época companheira do diretor. A declaração tem lugar num bosque onde os dois se deslocaram para colher cogumelos. A atmosfera seria das mais tranqüilizantes, não fora passar-se - durante o colóquio entre ambos - algo que não pode deixar de alarmar o espectador atento. E esse algo não se refere ao comportamento das personagens - que continuam a dialogar num cenário idílico - mas, precisamente, ao comportamento da câmera. Esta última, quase inadvertidamente, começa a deslocar-se lateralmente até o primeiro plano de um tronco de árvore se interpor entre ela - a câmera - e o par, escondendo o homem cujas palavras, contudo, continua-se a ouvir. A vista é desimpedida com a saída do tronco do campo da visão, mas pouco depois desaparece novamente quando o movimento se repete em sentido contrário, conduzindo a câmera à posição inicial. Eis um caso em que um simples "travelling" se encarrega de denunciar ao espectador a atitude reticente da personagem, 'encobrindo-a' da vista no momento em que 'se revela' ao ouvido. Denúncia essa dirigida ao público e não, infelizmente, à desventurada professora, que se manterá por um bom pedaço na ignorância das verdadeiras intenções do carniceiro degolador.

André Setaro é crítico de cinema e professor de comunicação da Universidade Federal da Bahia (Ufba).




O PRIMEIRO FILME DO CINEMA
A SAÍDA DA FÁBRICA- 1895
Irmãos Lumière


Godard, o cineasta considerado por alguns críticos a própria linguagem do cinema.


Filme-ensaio de João Paulo Miranda, cineasta rio-clarense. O filme foi premiado em primeiro lugar em um fetival internacional de filmes feitos em celular.


O CINEMA DE ANIMAÇÃO
OS VIZINHOS, de Norman McLaren



PRODUÇÃO DE TEXTO:

1-Escreva uma narrativa que poderia, no seu entender, se transformar em um filme interessante.
2-Escreva uma crônica que tenha como tema o cinema na sua vida. Procure destacar alguns filmes que o marcaram.

terça-feira, 30 de março de 2010

A LINGUAGEM DO CONTO

A linguagem do conto, principalmente do contemporâneo, tende cada vez mais para a concisão, para a narrativa curta, direta e, muitas vezes, enreda o leitor na trama, fazendo com que ele se sinta de alguma forma personagem dos fatos narrados.

Um bom exemplo é este conto de Adriana Falcão:


O DOIDO DA GARRAFA



Ele não era mais doido do que as outras pessoas do mundo, mas as outras pessoas do mundo insistiam em dizer que ele era doido.

Depois que se apaixonou por uma garrafa de plástico de se carregar na bicicleta e passou a andar sempre com ela pendurada na cintura, virou o Doido da Garrafa.

O Doido da Garrafa fazia passarinhos de papel como ninguém, mas era especialista mesmo em construir barquinhos com palitos. Batizava cada barco com um nome de mulher e, enquanto estava trabalhando nele, morria de amores pela dona imaginária do nome. Depois ia esquecendo uma por uma, todas elas, com exceção de Olívia, uma nau antiga que levou dezessete dias para ser construída.

Batucava muito bem e vivia inventando, de improviso, músicas especialmente compostas para toda e qualquer finalidade, nos mais variados gêneros. Uai aí aquela da mulher de blusa verde atravessando a rua apressada, e o Doido da Garrafa imediatamente compunha um samba, uma valsa, um rock, um rap, um blues, dependendo da mulher de blusa verde, do atravessando, da rua e do apressada. Geralmente ficava uma obra-prima.

Gostava muito de observar as pessoas na rua, do cheiro de café, de cantar e de ouvir música. Não gostava muito do fato de ter pernas, mas acabou se acostumando com elas. De cabelo ele gostava. Em compensação, tinha verdadeiro horror a multidão, bermudão, tubarão, ladrão, camburão, bajulação, afetação, dança de salão, falta de educação e à palavra bife.

Escrevia cartas para ninguém, umas em prosa, outras em poesia, como mero exercício de estilo.

Tinha mania de dar entrevistas para o vento e já sabia a resposta de qualquer pergunta que porventura alguém pudesse lhe fazer um dia.

Ajudava o dicionário a explicar as coisas inventando palavras necessárias, como dorinfinita.

Adorava álgebra, mas tinha particular antipatia por trigonometria, pois não encontrava nenhum motivo para se pegar pedaços de triângulos e fazer contas tão difíceis com eles.

Conhecia mitologia a fundo.

Tinha angústia matinal, uma depressão no meio da tarde que ele chamava de cinco horas, porque era a hora que ela aparecia, e uma insônia crônica a quem chamava carinhosamente de Proserpina.

Sentia uma paixão azul dentro do peito, desde criança, sempre que olhava o mar e orgulhava-se muito disso.

Acreditava no amor, mas tinha vergonha da frase.

Às vezes falava sozinho, Preferia tristeza à agonia.

Todas as noites, entre oito e dez e meia, era visto andando de um lado para o outro da rua, método que tinha inventado para acabar de vez com a preocupação de fazer a volta de repente, quando achava que já tinha andado o suficiente. (Preferia que ninguém percebesse que ele não tinha para onde ir.) Enquanto andava, repetia dentro da cabeÇa incessantemente a palavra ecumênico sem ter a menor idéia da razão pela qual fazia isso.

Durante o dia o Doido da Garrafa trabalhava numa multinacional, era sujeito bem visto, supervisor de departamento, ganhava um bom salário e gratificações que entregava para a mulher aplicar em fundos de investimento.

No fim do ano ia trocar de carro.

Era excelente chefe de família.

Não era mais doido do que as outras pessoas do mundo, mas sempre que ele passava as outras pessoas do mundo pensavam, lá vai o Doido da Garrafa, e assim se esqueciam das suas próprias garrafas um pouquinho.


Adriana Falcão nasceu no Rio de Janeiro. Seu primeiro livro, voltado para o público infantil, "Mania de Explicação", teve duas indicações para o Prêmio Jabuti/2001 e recebeu o Prêmio Ofélia Fontes — "O Melhor para a Criança"/2001, da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil. Em 2002, publicou "Luna Clara & Apolo Onze", seu primeiro romance juvenil. Seu romance "A Máquina" foi levado aos palcos por João Falcão. Na televisão, Adriana colaborou em vários episódios de "A Comédia da Vida Privada", "Brasil Legal" e "A grande família", todos da Rede Globo. Adaptou, com Guel Arraes, "O Auto da Compadecida", de Ariano Suassuna, para a TV, posteriormente levado ao cinema.

Seu livro "O doido da garrafa", Editora Planeta do Brasil – São Paulo, lançado em abril/2003, e de cuja pág. 71 extraímos o texto acima, contém pequenos contos publicados na revista "Veja Rio" no período de 2001 a 2003.


Fonte: © Projeto Releituras — Todos os direitos reservados. O Projeto Releituras — um sítio sem fins lucrativos — tem como objetivo divulgar trabalhos de escritores nacionais consagrados e novos.

A FORÇA DO DIÁLOGO E DO HUMOR


SILÊNCIO, HOSPITAL

Chico Anysio


Nos primeiros tempos de casamento ele aparentava uma saúde de ferro mas, de uns anos pra cá, mostrava-se tão frágil, tão suscetível às doenças, que Dona Belinha, sua esposa, intranqüilizava-se cada vez mais.

— Qualquer coisinha o Pirilo hospitaliza-se — choramingava às amigas. — Tão frágil, tão doentinho...

E assim era. Por um simples sintoma de gripe ou resfriado, o Pirilo pegava um pijama, escova de dentes, pente e chinelos, metia-os numa maleta branca e hospitalizava-se.

— O que é que você tem, Pirilo? — perguntava a esposa preocupada, vendo o marido fazer a mala para mais uma ida à casa de saúde.

— Nada, minha velha.

— E se não tem nada, por que você vai para o hospital, Pirilo? — insistia Dona Belinha, mais preocupada do que nunca.

— Com saúde não se facilita. Não tenho nada agora, mas estou esperando uma gripe de uma hora para outra.

E se internava por quatro, cinco dias. Proibia as visitas e não aceitava flores ou maçãs. "Se eu morrer, não quero ninguém no velório. Na doença e na morte, longe os parentes", era a teoria que defendia e a que a família obedecia.

— Chama-se isso de hipocondria — explicou um médico a quem Dona Belinha secretamente visitou:

— Hipocondria?

— É uma ansiedade habitual relativa à própria saúde — decifrava o médico. — É muito comum, um caso assim. Há pessoas que não vivem sem tomar remédio. Seu marido é um caso desses. Só que em estado mais grave, porque ele chega a ir para o hospital. Mas não se preocupe. Os hipocondríacos são os que vivem mais.

— Isso pega, doutor? — inquiriu Dona Belinha, quase desejando que sim, para poder acompanhar o marido, de quem sentia muita falta, durante os dias de nosocômio.

— Pegar, não digo, mas quem convive com um hipocondríaco, sendo de espírito fraco, pode-se contagiar por esta mania.

E ela muito rezava e pedia que lhe fosse dado este contágio.

— Belinha, traz a mala.

— Pra onde você vai, Pirilo?

— Vou-me hospitalizar.

— O que é que você está sentindo?

— Hoje, fazendo as unhas, tirei sangue da cutícula. Isso pode infeccionar, dar tétano, gangrenar, sei lá. Com saúde não se brinca.

E, de mala branca na mão e infalível chapéu preto à cabeça, lá ia o Pirilo para o Hospital dos Estrangeiros, onde tinha conta corrente (pagava por semestre) e apartamento quase fixo.

— O apartamento de sempre, Sr. Pirilo? perguntava a enfermeira, como se aquilo fosse um hotel.

— Não. Desta vez quero um no terceiro andar, com vista para a encosta.

E por uma semana, muitas vezes, curtia o seu hospitalzinho, de camisola e tudo, com exames de pressão arterial, termômetros sob a axila, colheita de urina, sangue, fezes, escarro, etc. Uma semana depois, sentindo-se recuperado, voltava ao seio da família, dizendo-se outro homem.

Ao mesmo tempo em que os filhos cresciam, desenvolvia-se a hipocondria do Pirilo, que se internou pelos motivos mais burlescos, de tão banais: furúnculo, cisco no olho, mau jeito no braço, aerofagia, topada.

A conselho médico a mulher nem tocava mais no assunto, tentando meter na cabeça do marido que ele não sofria de coisa alguma ("Isso pode piorar, porque ele fica irritado e..."). Ao ver Pirilo chegar e entrar em casa sem tirar o chapéu preto, a mulher já sabia que era caso de hospital. E, por conta própria (disso o médico não teve culpa), já até colaborava com a hipocondria do marido.

— Não está passando bem, Pirilo?

— Ainda bem que você notou. Hoje arrotei duas vezes, depois de tomar uma Coca-Cola. Faz a mala.

E o pijama, com pente, chinelo e escova de dentes, era enfiado na mala branca que Pirilo conduzia ao Hospital dos Estrangeiros, onde era mais conhecido do que muitos dos médicos que lá operavam ou davam plantão.

— Terceiro andar, para a encosta?

— Segundo andar, de frente.

— 214 — informava a enfermeira, dando-lhe a chave.

Tantas foram as vezes que Pirilo se internou que, ultimamente, já ia sozinho da portaria para o quarto. Ir uma enfermeira com ele para quê, se ele conhecia os corredores e apartamentos mais do que a maioria delas? De hospital, ele dava aula. E era um custo para aceitar a alta do médico.

— Pode ir embora hoje, Sr. Pirilo.

— De jeito nenhum. Antes de quinta-feira ninguém me tira daqui.

— Mas o senhor já está bom. Os gases...

— Os gases acabaram, mas... e essa unhazinha?

— Que tem a unha? — perguntava o médico, segurando-lhe a falange do pé que Pirilo lhe exibia.

— Repare na unha, veja bem.

— Está bem.

— Ora, doutor, enganar ao Pirilinho? A unha está encrava, não encrava. Antes de quinta-feira eu não saio, a não ser que a unha se resolva.

De tanto Pirilo se ausentar para os hospitais, apareceu um arquiteto desquitado com ótimos planos e projetos para Dona Belinha com os quais ela concordou, de tanta distância que já sentia do marido hipocondríaco.

Saiu ganhando, pois amava agora um homem formado, enquanto Pirilo continuava amante de uma ajudante de enfermeira do Hospital dos Estrangeiros, que um dia dava plantão no terceiro andar, de frente para a encosta, no outro dia no segundo andar, de frente para a frente...

Os hipocondríacos merecem cuidados!


Chico Anysio (Francisco Anysio de Oliveira Paula Filho) nasceu em 12 de abril de 1931, na cidade de Maranguape (CE). Com 8 anos, mudou-se com a família para o Rio de Janeiro (RJ). Aos 16 anos de idade foi classificado em sétimo lugar num concurso para rádio-atores na Rádio Guanabara, daquela cidade. Nesta difusora foi locutor da madrugada, galã de rádio-novela, narrador e repórter de campo. Em 1950 passou a trabalhar na Rádio Mayrinck Veiga, escrevendo programas. Trabalhou na Rádio Clube de Pernambuco, do Recife, em seguida, na Rádio Clube do Brasil e na Rádio Mayrinck Veiga, escrevendo programas humorísticos. Escreveu roteiros para filmes da Atlântida. Estreou na TV, em 1957, no programa Noite de Gala, ao lado de Sérgio Porto e Henrique Pongetti, na TV-Rio. Trabalhou, depois na Rádio Tupi e fixou-se, até hoje, na Rede Globo de Televisão. Sua galeria conta com mais de duzentos tipos consagrados na televisão, como o Professor Raimundo; Alberto Roberto; Coronel Limoeiro; Qüem-Qüem; Bozó; Painho; Paulo Brasilis; Pantaleão; Bento Carneiro; Pedro Bó; Nazareno; Coalhada e tantos outros mais.

Texto extraído do livro “O batizado da vaca”, Editora Círculo do Livro – Rio de Janeiro, 1972, pág. 156.

© Projeto Releituras — Todos os direitos reservados. O Projeto Releituras — um sítio sem fins lucrativos — tem como objetivo divulgar trabalhos de escritores nacionais e estrangeiros, buscando, sempre que possível, seu lado humorístico,
satírico ou irônico.

MICROCONTOS

O escritor Marcelino Freire, ao organizar em 2004 a antologia: Os Cem Menores Contos Brasileiros do Século, exigiu dos contistas que escrevessem microcontos que tivessem no máximo 50 letras, fora o título.
Alguns exemplos:

A DÍVIDA
José Castello

Mata o pai, arromba o cofre, só uma caixa vazia.

MONÓLOGO COM A SOMBRA
Rogério Augusto

Não adianta me seguir.
Estou tão perdido quanto você.

O micrcoconto mais famoso do mundo foi escrito pelo contista Augusto Monterroso:

QUANDO ACORDOU, O DINOSSAURO AINDA ESTAVA LÁ.

Produção de texto:

Escreva três microcontos, que tenham alguns destes títulos:

-O Neurótico

-O Escuro

-A Luta

-A Supresa

-Renascer

-Vitória

-Exposição

-As formigas

-Invenção

segunda-feira, 15 de março de 2010

A LINGUAGEM DA DANÇA

DANÇA É CORPO, É MOVIMENTO

A linguagem da dança é a linguagem do corpo, do movimento no espaço, do abrir-se para a narrativa , a reflexão e o lúdico utilizando os recursos da expressividade corporal.

O BALÉ ClÁSSICO

Fonte: Romeu e Julieta, com Rudolf Nureyev e Margot Fonteyn.
Plumbago.

O r i g e n s
O balé clássico se originou das danças coral cortesã e mourisca. Grupos de figurantes (cavalheiros da corte e, às vezes damas) formavam as "entradas de mouriscas", usando trajes bizarros na caracterização dos personagens. As danças se sucediam a intervalos, cada grupo realizava seu bailado e, por fim, todos se uniam na dança geral.
Os espetáculos ganharam maior dramaticidade na Itália e os temas da mitologia clássica substituíram os dos romances medievais. A dança pantomímica passou a ser executada por bailarinos profissionais e transformada em espetáculo público.

O balé se estruturou na Itália, antes de se desenvolver na França. Em meados do século XVI, Catarina de Médicis levou a Paris o balé "Comique de la Reine". A primeira peça de gênero dramático "Ballet de Circé" foi composta em 1581, pelo músico italiano Baldassarino.

Luís XVI foi o fundador da Academia Real de Dança, em 1661. Esse berço do balé profissional deu grande impulso à dança.
O balé passou para o teatro. Os artistas eram sempre do sexo masculino. Usavam máscaras e trajes que dificultavam os movimentos. As mulheres foram incluídas como bailarinas em 1681, po Lully, em seu "O Triunfo do Amor". Os passos eram baixos e sem saltos. Os grandes saltos foram incorporados à técnica pelo grande bailarino Ballon. As cinco posições básicas dos pés foram elaboradas po Pierre Beauchamp. Raoul Feuillet realizou a primeira tentativa de notação de dança com sua "Coreografia ou Arte de Escrever a Dança".

As mulheres passaram a se destacar e contribuíram para o aperfeiçoamento da arte. Marie Camargo criou o jeté, o pas de basque e o entrechat quatre, além de encurtar os vestidos até acima dos tornozelos e calçar sapatos sem saltos.

Jean Georges Noverre foi a figura mais importante da dança no século XVIII. Além de vários bailados, foi autor de "Lettres sur la Danse et les Ballets", que trazia leis e teorias do balé. Ele afirmava que o balé é uma arte nobre, destinada à expressão e ao desenvolvimento de um tema. Criou o balé dramático, onde a história é contada através de gestos. Reclamava maior expressão na dança, simplicidade e comodidade nos trajes, além de mais vastos conhecimentos para os "maitres de balé" e a necessidade de um tema para cada balé. A partir daí, Gaetan e Auguste Vestris criaram novos passos.

As famosas bailarinas russas começaram a aparecer na Europa em meados do século XIX. Conquistaram de vez os teatros.
O Romantismo na dança foi inalgurado po Marie Taglioni. Assim, as bailarinas se tornaram seres quase irreais, em um ideal de imaterialidade. Toda a técnica e estética da dança foi revolucionada. Taglioni criou o *sapato de ponta, dando às bailarinas a possibilidade de executar proezas técnicas e aparência de flutuar nas pontas dos pés, além do *tutu - vestido semi-longo, de tule, com corpete justo, possibilitando liberdade total para os movimentos. Sua mais famosa criação foi "La Sylphide" (1832).

Jean Coralli criou "Giselle" em 1841, um dos maiores bailados tradicionais, de caráter dramático e emotivo. Jules Perrot produziu "Pas de Quatre", em 1845. Em 1870, Arthur de Saint-Léon criou "Coppélia", com música de Delibes.

Marius Pepita, com Cecchetti e Ivanov criou "Quebra-Nozes", em 1892; com Lev Ivanov criou "A Bela Adormecida", em 1890. Todos com música de Tchaikovski, como a maioria dos grandes balés russos.

Pepita preparou vários bailarinos de grande talento. Pelas mãos de Enrico Cecchetti passaram os mais famosos nomes da dança internacional, como Anna Pavlova. O estilo e o método de Cecchetti ainda permanecem.

No começo do século XX, o balé teve um impulso, que se deve a Sergei Diaghilev.
A coreografia foi revolucionada por Fokine, que pôs em prática os ideais de Noverre. A dança deveria ser interpretativa, mostrando o espírito dos atores, em harmonia com a música e a arte plástica. O mais célebre bailado de Anna Pavlova - A Morte do Cisne - foi criado por ele, além de 68 bailados, representados no mundo inteiro.
Fonte: http://www.sitedasartes.hpg.ig.com.br/bale.htm

A DANÇA CONTEMPORÂNEA

A dança contemporânea rompe com a linearidade, com o corpo que narra, passando a destacar o corpo refletindo o comportamento humano em determinado contexto e época, é o corpo sendo o físico e o metafísico, o visível e o invisível ao mesmo tempo, o concreto e o abstrato, o palpável e o impalpável.



Fonte: Grupo Corpo.

Grupo Corpo questiona a existência no espetáculo "Onqotô"
LUCIANA ARAUJO
Enviada especial da Folha de S.Paulo a Belo Horizonte
09-08-2005


Num voo rumo ao chão, o homem busca a resposta à sua pergunta diante do mundo: "Onde estou?". Questão que em "mineirês" se traduz no novo espetáculo do Grupo Corpo, "Onqotô", em cartaz a partir de amanhã, no teatro Alfa, em São Paulo, a primeira das cinco capitais da turnê nacional, que traz ainda a reapresentação de "Lecuona" (2004).

O questionamento existencial --"onqotô?", "para onde vou?" ("pronqovô?") e "quem eu sou?" ("qemqosô?")-- marca a inquietação dos gestos de busca da coreografia que Rodrigo Pederneiras desenvolveu a partir da trilha sonora de Caetano Veloso e José Miguel Wisnik, criada, entre outras reflexões, a partir da idéia contida na frase de Nelson Rodrigues sobre a clássica rivalidade do futebol carioca, "O Fla-Flu começou 40 minutos antes do nada".

Wisnik ressalta que ""onqotô" tanto parece uma palavra africana quanto oriental e indígena, como se rodasse por toda parte", assim como a companhia de dança, que rodou o mundo em 30 anos de existência.

Para abrigar essa busca pela origem em música e dança, Paulo Pederneiras idealizou um "não-cenário", que expressa o começo e o vazio, o princípio do universo. "Livrei-me de todas as referências do palco, apelando para a forma redonda", conta ele, que também é o diretor artístico e o responsável pela iluminação do espetáculo.

Dispostas num semicírculo e esticadas do chão até uma altura de nove metros, tiras de borracha remetem ao mesmo tempo às formas de uma aldeia, de um planeta e de um estádio de futebol.

A presença do futebol, no entanto, é apenas pressentida: os dribles incorporados à coreografia, a iluminação vinda de cima, os tênis e as joelheiras do figurino idealizado por Freusa Zechmeister funcionam como proteção para os bailarinos, pois o impacto dos corpos contra o chão é primordial em "Onqotô".

Antes era o nada

Como um sopro criador, a música "Fla-Flu" embala os movimentos iniciais ao som de flautas. Na seqüência, os bailarinos dançam em bloco, com movimentos que percutem no chão. "A busca da identidade se dá na terra, e o corpo é este veículo que viaja sobre ela", diz Rodrigo Pederneiras.

A procura por respostas é de todos e de cada um. Corpos dançam juntos e, vez ou outra, um bailarino se desprende para encenar um solo. "São reflexões sobre grupos e indivíduos; uniões e separações", explica o coreógrafo.

Dois homens rastejam "entre o chão e o não", sob a canção "Madre Deus": "Frente ao infinito/ costas contra o planeta". Noutro momento, a canção tribal "Cobra do Caos" conduz os passos de mulheres, expressando a feminilidade da terra fértil.

A busca também se faz no corpo do outro e em confrontações. Um homem e uma mulher movem-se com violência; duas mulheres tocam-se com languidez. Ambas as duplas em sintonia com os versos musicados do poema "Mortal Loucura", de Gregório de Matos (1636-1695). O Fla-Flu, no início sugerido instrumentalmente, escancara-se em passos de hip hop no ritmo de "Big Bang", em que Caetano e Wisnik contestam a aceitação da expressão inglesa.

Coreografia de músculos

Solidão e opressão marcam o caminho do homem sobre a Terra. Diante dela, ele se sente um nada. Neste ponto, um dos momentos mais intensos, versos de "Os Lusíadas", de Camões, são cantados pela não-cantora Gracie.

Encolhido, "um bicho da terra tão pequeno", o bailarino Helbert Pimenta movimenta-se sob uma luz que simula as dos carros de polícia. A platéia só vê as costas e braços do homem/coisa em sua coreografia de músculos.

Por fim, quando a voz de "Onqotô" se transforma em música, um homem despenca sobre o palco. E permanece ali, imóvel, um corpo estendido no chão.

PRODUÇÃO DE TEXTO:

1-Escreva um poema ou uma crônica que tenha como tema: A DANÇA, relacionando-a com as palavras e as ideias nelas contidas: movimento-leveza-expressão-linguagem-liberdade-transcendência-construção.

segunda-feira, 1 de março de 2010

A LINGUAGEM TEATRAL


A atriz Cacilda Becker (1921-1969) encenando Esperando Godot.

O diálogo é a grande marca e o grande diferencial do teatro. A narrativa ocorre de forma direta, com os personagens conversando, discutindo, vivendo o conflito utilizando o seu ato de fala, o seu discurso.

Esperando Godot, de Samuel Beckett (1906-1989), é considerada uma das mais significativas peças teatrais do século XX porque mostra, numa linguagem desconcertante, dois personagens representando a humanidade esperando um personagem misterioso, que é uma espécie de salvador. Durante a peça toda, a ansiedade toma conta dos personagens, que até o final esperam, sem que Godot apareça. O teatro contemporâneo, em muitas peças de Beckett, Ionesco e Arrabal, apresenta uma linguagem aparentemente absurda, mas, acima de tudo, reflexiva sobre a solidão e a angústia do ser humano, em uma época em que as guerras mundiais, a ameaça atômica e o avanço tecnológico nos colocaram questões difíceis de responder e de resolver.

"Esperando Godot narra uma parábola de fundo claramente metafísico: o pânico do qual o homem é possuído no momento em que se pergunta o sentido de sobreviver, esprando um amanhã obscuro e carente de perspectivas. Tudo isso é expresso numa ação cênica de absoluta esquematização, cujo ritmo segue a linha de uma obsessão alucinante."
(Vito Pandolfi)
Abaixo, um trecho da peça de Beckett, diálogo entre Vladimir e Estragon, que esperam Godot.

Estragon: Tem certeza que é aqui?
Vladimir: O quê?
Estragon: Que era para esperar.
Vladimir: Ele disse perto da árvore. (OLham a árvore). Você vê outras árvores?
Estragon: Que árvore é essa?
Vladimir: Parece um chorão.
Estragon: E as folhas?
Vladimir: Devem estar mortas.
Estragon: Não choram mais.
Vladimir: Pode ser que não seja a estação.
Estragon: Acho que é um arbúsculo.
Vladimir: Um arbusto.
Estragon: Um arbúsculo.
Vladimir: Um ...que é que você quer insinuar? Que a gente errou o lugar?
Estragon: Ela já devia estar aqui.
Vladimir: Ele não garantiu que vinha.
Estragon: E se ele não vier?
Vladimir: A gente volta amanhã.
Estragon: E se ele não vier, depois de amanhã.
Vladimir: É possível.
Estragon: E assim por diante.
Vladimir: O problema é que...
Estragon: Até que ele apareça.
Vladimir: Você não tem piedade.
Estragon: Nós já viemos aqui ontem.
Vladimir: Não senhor, não viemos.
Estragon: O que é que a gente fez ontem?
Vladimir: O que é que a gente fez ontem?
Estragon: É.
Vladimir: Ora...(Irritado) Você é o rei da confusão.

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BECKETT, Samuel. Esperando Godot. Tradução de Flávio Rangel. Abril Cultural, 1976. 189 páginas.
Palavras-chave: teatro, século XX, absurdo, contemporâneo, existencial, incomunicabilidade, reflexão, solidão, espera.


O MONÓLOGO
O monólogo,como o próprio nome diz, traz a fala de um único personagem, que muitas vezes faz um mergulho em si mesmo, numa viagem interior reflexiva e filosófica. O ator que encarna um monólogo precisa passar para o público emoção e manter vivo o interesse durante a encenação, o que não é fácil.
Monólogo das Mãos,com a atriz Bibi Ferreira.


As mãos servem para pedir, prometer, chamar,
conceder, ameaçar, suplicar, exigir, acariciar, recusar,
interrogar, admirar, confessar, calcular, comandar,
injuriar, incitar, teimar, encorajar, acusar, condenar,
absolver, perdoar, desprezar, desafiar, aplaudir,
reger, benzer, humilhar, reconciliar, exaltar,
construir, escrever e trabalhar...
As mãos de Maria Antonieta, ao receber o beijo de Mirabeau,
salvaram o trono da França e apagaram a auréola do famoso revolucionário;
Múcio Cévola queimou a mão que, por engano, não matou Porcena;
E foi com as mãos que Jesus amparou Madalena.
Com as mãos David agitou a funda que matou Golias;
as mãos dos Césares romanos decidiam a sorte dos gladiadores vencidos na arena;
Pilatos lavou as mãos para limpar a consciência;
os antissemitas marcavam a porta dos judeus com as mãos vermelhas como signo de morte!
Foi com as mãos que Judas pôs ao pescoço à corda que os outros Judas não encontram.
A mão serve para o herói empunhar a espada e o carrasco, a guilhotina;
o operário construir e o burguês destruir;
o bom amparar e o justo punir;
o amante acariciar e o ladrão roubar;
o honesto trabalhar e o viciado jogar.
Com as mãos atira-se um beijo ou uma pedra, uma flor ou uma granada,
uma esmola ou uma bomba!
Com as mãos o agricultor semeia e o anarquista incendeia!
As mãos fazem os salva-vidas e os canhões; os remédios e os venenos;
os bálsamos e os instrumentos de tortura,
a arma que fere e o bisturi que salva.
Com as mãos tapamos os olhos para não ver,
e com elas protegemos a vista para ver melhor.
Os olhos dos cegos são as mãos.
Os mudos falam com as mãos.
As mãos colocadas na direção do submarino levam o homem para o fundo como os peixes.
E no volante da aeronave atiram-nos para as alturas como os pássaros.
O autor do "Homo Rebus" lembra que a mão foi o primeiro prato para o alimento
e o primeiro copo para a bebida;
a primeira almofada para repousar a cabeça,
a primeira arma e a primeira linguagem.
Esfregando dois ramos, conseguiram-se as chamas.
A mão aberta, acariciando, mostra a bondade.
Mas fechada e levantada mostra a força e o poder;
empunha a espada a pena e a cruz!
Modela os mármores e os bronzes;
da cor às telas e concretiza os sonhos do pensamento
e da fantasia nas formas eternas da beleza.
Humilde e poderosa no trabalho, cria a riqueza;
doce e piedosa nos afetos medica as chagas,
conforta os aflitos e protege os fracos.
O aperto de duas mãos pode ser a mais sincera confissão de amor,
o melhor pacto de amizade ou um juramento de fidelidade.
O noivo para casar-se pede a mão de sua amada;
Jesus abençoava com as mãos;
as mães protegem os filhos cobrindo-lhes com as mãos as cabeças inocentes.
Nas despedidas, a gente parte,
mas a mão fica, ainda por muito tempo agitando o lenço no ar.
Com as mãos limpamos as nossas lágrimas e as alheias.
E nos dois extremos da vida, quando abrimos os olhos para o mundo
e quando os fechamos para sempre ainda as mãos prevalecem.
Quando nascemos, para nos levar a carícia do primeiro beijo,
são as mãos maternas que nos agasalhamo corpo tão pequenino.
E no fim da vida, quando os olhos já não brilham
e os sentidos desaparecem
ainda são as mãos de cera que continuam na morte as funções da vida
E a imagem do Nazareno pregado na cruz
vai conosco para debaixo da terra com as nossas mãos cruzadas sobre o peito.
E as mãos dos amigos nos carregam...
E as mãos dos coveiros nos enterram!


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O “Monólogo das Mãos” foi adaptado de um poema de Montaigne, poeta e ensaísta francês (1533-1592), pelo dramaturgo brasileiro Oduvaldo Vianna (1892-1972), que o incorporou à peça teatral de sua autoria: "O Vendedor de Ilusões."


Com o objetivo de facilitar melhor a compreensão sobre a linguagem teatral, é importante recordarmos sobre as três modalidades pertencentes aos gêneros da literatura. Entre eles, destacam-se: Gênero Lírico - Representa o estado de alma, a subjetividade representada pela voz do poeta. Gênero Épico - Retrata os grandes feitos heroicos que fizeram parte da história de um povo. Geralmente mescla-se com figuras sobrenaturais, como é o caso das musas e deuses da Mitologia Grega, sendo que estes agem contra ou a favor de um determinado acontecimento ao longo da narrativa. Gênero Dramático - Refere-se à linguagem encenada, representada pela linguagem teatral, contando com a participação de elementos extraverbais, como cenário, figurino, iluminação e sonoplastia. Especificamente, a linguagem teatral, como já detectamos, pertence ao gênero dramático, e tem a Dramaturgia como elemento primordial. A palavra Drama origina-se do grego, que significa “ação”.
O texto teatral teve seu papel de destaque na Grécia antiga, por volta do século V a.C., as peças apresentadas baseavam-se nas Tragédias, uma vez que as mesmas tinham o objetivo de levar aos espectadores à catarse, isto é, à purificação da alma por meio da libertação das emoções. Os conflitos envolviam problemas de poder e honra e eram vividos por personagens representados pela classe social privilegiada.
Com as tragédias surgiram outras modalidades do gênero dramático, as quais se definem como: Comédia - Representação de situações do cotidiano, com personagens representadas pelas classes populares. A intenção era provocar riso através da crítica aos costumes. Auto - Peça curta apresentada em festas religiosas, tendo como personagens, verdadeiros representantes de entidades abstratas, tais como a bondade, o pecado, a hipocrisia e a virtude. Farsa - Peça curta que satiriza os costumes, dando ênfase ao grotesco. Entre os principais dramaturgos e peças teatrais da Grécia Antiga, destacam-se: # Ésquilo (Prometeu Acorrentado) # Sófocles (Édipo Rei, Electra) #Eurípedes (Medeia, As bacantes) #Aristófanes (A paz, Assembleia de Mulheres) # Antífanes (Menandro) Ao longo da história, a linguagem teatral não só sofreu influências de outras linguagens como cinema, televisão e informática, como também passou por questionamentos sobre o seu real objetivo: a função catártica, que resultaram em denúncias sociais e reflexões filosóficas.

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O HOMEM CIRCULAR

micropeça de Jaime Leitão


(Dois homens estão em uma praça pública. Um deles não para de andar em círculos. O outro está parado).

O Homem Parado: Por que você só anda em círculo?

O Homem Circular (para um pouco para responder e volta a circular): Todos andamos em círculos. A maioria finge ter novas ideias, mas tem uma vida monótona, circular. Eu pelo menos assumo com o corpo o que praticamente toda a humanidade é por dentro.

O Homem Parado: Não dá tontura?

O Homem Circular: Já me acostumei. Desde pequeno, levo a vida em círculos.
Você também.

O Homem Parado: Eu não. (De repente, o homem parado começa a andar em círculos, quase cai, aos poucos vai recuperando o equilíbrio e continua a circular. Os dois andam em círculos): Sabe que você tem razão.