segunda-feira, 1 de março de 2010

A LINGUAGEM TEATRAL


A atriz Cacilda Becker (1921-1969) encenando Esperando Godot.

O diálogo é a grande marca e o grande diferencial do teatro. A narrativa ocorre de forma direta, com os personagens conversando, discutindo, vivendo o conflito utilizando o seu ato de fala, o seu discurso.

Esperando Godot, de Samuel Beckett (1906-1989), é considerada uma das mais significativas peças teatrais do século XX porque mostra, numa linguagem desconcertante, dois personagens representando a humanidade esperando um personagem misterioso, que é uma espécie de salvador. Durante a peça toda, a ansiedade toma conta dos personagens, que até o final esperam, sem que Godot apareça. O teatro contemporâneo, em muitas peças de Beckett, Ionesco e Arrabal, apresenta uma linguagem aparentemente absurda, mas, acima de tudo, reflexiva sobre a solidão e a angústia do ser humano, em uma época em que as guerras mundiais, a ameaça atômica e o avanço tecnológico nos colocaram questões difíceis de responder e de resolver.

"Esperando Godot narra uma parábola de fundo claramente metafísico: o pânico do qual o homem é possuído no momento em que se pergunta o sentido de sobreviver, esprando um amanhã obscuro e carente de perspectivas. Tudo isso é expresso numa ação cênica de absoluta esquematização, cujo ritmo segue a linha de uma obsessão alucinante."
(Vito Pandolfi)
Abaixo, um trecho da peça de Beckett, diálogo entre Vladimir e Estragon, que esperam Godot.

Estragon: Tem certeza que é aqui?
Vladimir: O quê?
Estragon: Que era para esperar.
Vladimir: Ele disse perto da árvore. (OLham a árvore). Você vê outras árvores?
Estragon: Que árvore é essa?
Vladimir: Parece um chorão.
Estragon: E as folhas?
Vladimir: Devem estar mortas.
Estragon: Não choram mais.
Vladimir: Pode ser que não seja a estação.
Estragon: Acho que é um arbúsculo.
Vladimir: Um arbusto.
Estragon: Um arbúsculo.
Vladimir: Um ...que é que você quer insinuar? Que a gente errou o lugar?
Estragon: Ela já devia estar aqui.
Vladimir: Ele não garantiu que vinha.
Estragon: E se ele não vier?
Vladimir: A gente volta amanhã.
Estragon: E se ele não vier, depois de amanhã.
Vladimir: É possível.
Estragon: E assim por diante.
Vladimir: O problema é que...
Estragon: Até que ele apareça.
Vladimir: Você não tem piedade.
Estragon: Nós já viemos aqui ontem.
Vladimir: Não senhor, não viemos.
Estragon: O que é que a gente fez ontem?
Vladimir: O que é que a gente fez ontem?
Estragon: É.
Vladimir: Ora...(Irritado) Você é o rei da confusão.

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BECKETT, Samuel. Esperando Godot. Tradução de Flávio Rangel. Abril Cultural, 1976. 189 páginas.
Palavras-chave: teatro, século XX, absurdo, contemporâneo, existencial, incomunicabilidade, reflexão, solidão, espera.


O MONÓLOGO
O monólogo,como o próprio nome diz, traz a fala de um único personagem, que muitas vezes faz um mergulho em si mesmo, numa viagem interior reflexiva e filosófica. O ator que encarna um monólogo precisa passar para o público emoção e manter vivo o interesse durante a encenação, o que não é fácil.
Monólogo das Mãos,com a atriz Bibi Ferreira.


As mãos servem para pedir, prometer, chamar,
conceder, ameaçar, suplicar, exigir, acariciar, recusar,
interrogar, admirar, confessar, calcular, comandar,
injuriar, incitar, teimar, encorajar, acusar, condenar,
absolver, perdoar, desprezar, desafiar, aplaudir,
reger, benzer, humilhar, reconciliar, exaltar,
construir, escrever e trabalhar...
As mãos de Maria Antonieta, ao receber o beijo de Mirabeau,
salvaram o trono da França e apagaram a auréola do famoso revolucionário;
Múcio Cévola queimou a mão que, por engano, não matou Porcena;
E foi com as mãos que Jesus amparou Madalena.
Com as mãos David agitou a funda que matou Golias;
as mãos dos Césares romanos decidiam a sorte dos gladiadores vencidos na arena;
Pilatos lavou as mãos para limpar a consciência;
os antissemitas marcavam a porta dos judeus com as mãos vermelhas como signo de morte!
Foi com as mãos que Judas pôs ao pescoço à corda que os outros Judas não encontram.
A mão serve para o herói empunhar a espada e o carrasco, a guilhotina;
o operário construir e o burguês destruir;
o bom amparar e o justo punir;
o amante acariciar e o ladrão roubar;
o honesto trabalhar e o viciado jogar.
Com as mãos atira-se um beijo ou uma pedra, uma flor ou uma granada,
uma esmola ou uma bomba!
Com as mãos o agricultor semeia e o anarquista incendeia!
As mãos fazem os salva-vidas e os canhões; os remédios e os venenos;
os bálsamos e os instrumentos de tortura,
a arma que fere e o bisturi que salva.
Com as mãos tapamos os olhos para não ver,
e com elas protegemos a vista para ver melhor.
Os olhos dos cegos são as mãos.
Os mudos falam com as mãos.
As mãos colocadas na direção do submarino levam o homem para o fundo como os peixes.
E no volante da aeronave atiram-nos para as alturas como os pássaros.
O autor do "Homo Rebus" lembra que a mão foi o primeiro prato para o alimento
e o primeiro copo para a bebida;
a primeira almofada para repousar a cabeça,
a primeira arma e a primeira linguagem.
Esfregando dois ramos, conseguiram-se as chamas.
A mão aberta, acariciando, mostra a bondade.
Mas fechada e levantada mostra a força e o poder;
empunha a espada a pena e a cruz!
Modela os mármores e os bronzes;
da cor às telas e concretiza os sonhos do pensamento
e da fantasia nas formas eternas da beleza.
Humilde e poderosa no trabalho, cria a riqueza;
doce e piedosa nos afetos medica as chagas,
conforta os aflitos e protege os fracos.
O aperto de duas mãos pode ser a mais sincera confissão de amor,
o melhor pacto de amizade ou um juramento de fidelidade.
O noivo para casar-se pede a mão de sua amada;
Jesus abençoava com as mãos;
as mães protegem os filhos cobrindo-lhes com as mãos as cabeças inocentes.
Nas despedidas, a gente parte,
mas a mão fica, ainda por muito tempo agitando o lenço no ar.
Com as mãos limpamos as nossas lágrimas e as alheias.
E nos dois extremos da vida, quando abrimos os olhos para o mundo
e quando os fechamos para sempre ainda as mãos prevalecem.
Quando nascemos, para nos levar a carícia do primeiro beijo,
são as mãos maternas que nos agasalhamo corpo tão pequenino.
E no fim da vida, quando os olhos já não brilham
e os sentidos desaparecem
ainda são as mãos de cera que continuam na morte as funções da vida
E a imagem do Nazareno pregado na cruz
vai conosco para debaixo da terra com as nossas mãos cruzadas sobre o peito.
E as mãos dos amigos nos carregam...
E as mãos dos coveiros nos enterram!


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O “Monólogo das Mãos” foi adaptado de um poema de Montaigne, poeta e ensaísta francês (1533-1592), pelo dramaturgo brasileiro Oduvaldo Vianna (1892-1972), que o incorporou à peça teatral de sua autoria: "O Vendedor de Ilusões."


Com o objetivo de facilitar melhor a compreensão sobre a linguagem teatral, é importante recordarmos sobre as três modalidades pertencentes aos gêneros da literatura. Entre eles, destacam-se: Gênero Lírico - Representa o estado de alma, a subjetividade representada pela voz do poeta. Gênero Épico - Retrata os grandes feitos heroicos que fizeram parte da história de um povo. Geralmente mescla-se com figuras sobrenaturais, como é o caso das musas e deuses da Mitologia Grega, sendo que estes agem contra ou a favor de um determinado acontecimento ao longo da narrativa. Gênero Dramático - Refere-se à linguagem encenada, representada pela linguagem teatral, contando com a participação de elementos extraverbais, como cenário, figurino, iluminação e sonoplastia. Especificamente, a linguagem teatral, como já detectamos, pertence ao gênero dramático, e tem a Dramaturgia como elemento primordial. A palavra Drama origina-se do grego, que significa “ação”.
O texto teatral teve seu papel de destaque na Grécia antiga, por volta do século V a.C., as peças apresentadas baseavam-se nas Tragédias, uma vez que as mesmas tinham o objetivo de levar aos espectadores à catarse, isto é, à purificação da alma por meio da libertação das emoções. Os conflitos envolviam problemas de poder e honra e eram vividos por personagens representados pela classe social privilegiada.
Com as tragédias surgiram outras modalidades do gênero dramático, as quais se definem como: Comédia - Representação de situações do cotidiano, com personagens representadas pelas classes populares. A intenção era provocar riso através da crítica aos costumes. Auto - Peça curta apresentada em festas religiosas, tendo como personagens, verdadeiros representantes de entidades abstratas, tais como a bondade, o pecado, a hipocrisia e a virtude. Farsa - Peça curta que satiriza os costumes, dando ênfase ao grotesco. Entre os principais dramaturgos e peças teatrais da Grécia Antiga, destacam-se: # Ésquilo (Prometeu Acorrentado) # Sófocles (Édipo Rei, Electra) #Eurípedes (Medeia, As bacantes) #Aristófanes (A paz, Assembleia de Mulheres) # Antífanes (Menandro) Ao longo da história, a linguagem teatral não só sofreu influências de outras linguagens como cinema, televisão e informática, como também passou por questionamentos sobre o seu real objetivo: a função catártica, que resultaram em denúncias sociais e reflexões filosóficas.

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O HOMEM CIRCULAR

micropeça de Jaime Leitão


(Dois homens estão em uma praça pública. Um deles não para de andar em círculos. O outro está parado).

O Homem Parado: Por que você só anda em círculo?

O Homem Circular (para um pouco para responder e volta a circular): Todos andamos em círculos. A maioria finge ter novas ideias, mas tem uma vida monótona, circular. Eu pelo menos assumo com o corpo o que praticamente toda a humanidade é por dentro.

O Homem Parado: Não dá tontura?

O Homem Circular: Já me acostumei. Desde pequeno, levo a vida em círculos.
Você também.

O Homem Parado: Eu não. (De repente, o homem parado começa a andar em círculos, quase cai, aos poucos vai recuperando o equilíbrio e continua a circular. Os dois andam em círculos): Sabe que você tem razão.

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